terça-feira, 1 de junho de 2010

A Rainha Esther – Parte 1

Dentre as personagens bíblicas que devemos estudar para melhorar os nossos caminhos diante de Deus, temos hoje a primeira mulher: a rainha Ester, com destaque, é claro, para o seu altruísmo, isto é, a atitude de atendimento ao outro, um dos aspectos do amor divino, como vemos em 1 Co 13.5, é um amor "que não busca os seus interesses".

- Uma das características marcantes do mundo atual é o egoísmo, o individualismo, o pensar única e exclusivamente em si mesmo. Por isso, a Bíblia diz-nos que, nestes tempos trabalhosos, os nossos dias, haveria "homens amantes de si mesmo" (2Tm 3.2). Com Ester, aprendemos que não podemos viver desta maneira, mas, sim, nos portarmos como sal da terra e luz do mundo, vivendo para que os outros sejam felizes e alcancem a vida eterna.

I – A BIOGRAFIA DE ESTER(I) – DE CATIVA ÓRFÃ A RAINHA DA PÉRSIA

- A personagem que estudaremos nestes comentários, dentro da seqüência que nos é apresentada para aprimorarmos o nosso caráter cristão, é a primeira personagem feminina, a rainha Ester, na qual se pretende ensinar o que é o altruísmo, palavra que só surgiria no século XIX, por intermédio do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) e que pode ter sido tanto criação sua como de seu professor Andrieux, derivada do francês "autrui" (outro), que foi definida pelo mencionado filósofo como "tendência ou inclinação de natureza instintiva que incita o ser humano à preocupação com o outro" (apud Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

- Embora a palavra tenha se originado no século XIX, vemos, claramente, que o altruísmo é uma das mais antigas máximas éticas do homem, presente em várias tradições religiosas, entre as quais o próprio Cristianismo, pois o altruísmo foi exemplarmente definido pelo Senhor em Mt 7.12 bem como em Lc 6.31, a saber: "Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas" (Mt 7.31). A vida em função do outro, uma vida voltada para o outro, princípio que se encontrava desde a lei de Moisés (Lv.19.18) e que, segundo Jesus, era o segundo e grande mandamento da lei: o amor ao próximo (Mt22.39).

- Para entendermos bem a vida de Ester, devemos nos lembrar que Ester era judia, ou seja, descendente do reino de Judá, que nasceu, muito provavelmente, em terra estrangeira, durante o domínio persa. Nabucodonosor, rei da Babilônia, invadira Jerusalém por volta de 597 a.C., destruindo o templo e levando cativos os habitantes do reino de Judá (o reino do sul, formado, basicamente, pelas tribos de Judá, Benjamim e Levi – 1 Rs12.21; 2 Cr11.14,16), período que ficou denominado como cativeiro da Babilônia e que durou setenta anos, contados desde a primeira remessa de judeus para o estrangeiro (2 Cr.36.17-21; Jr39.1-9), conforme havia sido profetizado por Jeremias (Jr 25.9-12).

- Antes que terminasse o período de setenta anos determinado por Deus, conforme profecia de Jeremias, para que se cumprisse, também, a profecia proferida por Daniel (que pertencera à primeira leva de pessoas que haviam sido mandadas para Babilônia), o Império Babilônio foi derrotado pela Pérsia (atual Irã), que, então, passou a ser a nova potência mundial, passando os judeus, então, em vez de servir a Babilônia, servir a Pérsia. Isto ocorreu por volta de 539 a.C. O rei da Pérsia, na ocasião, era Ciro, que, inclusive, permitiu que os judeus que quisessem retornassem para a Palestina (2 Cr 36.22,23). A propósito, a ação de Ciro também havia sido profetizada anteriormente por Isaías (Is 44.23; 45.1), bem antes até do cativeiro.

- Muitos judeus, entretanto, apesar da permissão do rei Ciro de retornar a Palestina preferiram continuar vivendo nas terras estrangeiras, diante da vida estruturada que levavam, fazendo, então, surgir os "judeus da diáspora", ou seja, os judeus que andam dispersos pelo mundo, fora da Palestina, fora da Terra Prometida. Mesmo hoje, depois de quase 60 anos de restauração do Estado de Israel, ainda há mais judeus vivendo fora da Palestina do que na Palestina. Estima-se que, dos 14 milhões de judeus que há no mundo, 8 milhões morem fora de Israel na atualidade.

- Este era o caso de Mardoqueu (ou Mordecai), que vivia na fortaleza de Susã, cidade persa que ficava às margens do rio Ulai e que foi escolhida como capital do reino da Pérsia por Dario I, em 529 a.C. Tornando-se a capital, Susã, naturalmente, despertou o interesse de várias pessoas que para lá se mudaram, principalmente aqueles que, de uma certa maneira, estavam envolvidos na administração do reino, que, aliás, tinham de mudar-se para lá, como parece ter sido o caso dos ancestrais de Mardoqueu, até porque muitos judeus, desde os tempos de Nabucodonosor, haviam integrado a estrutura administrativa do governo.

- Mardoqueu apareceu no cenário bíblico no livro de Ester, que, logo no seu início, nos diz que a narrativa histórica sua se encontra no tempo do rei persa Assuero (Et.1.1), rei que é identificado pelos estudiosos da Bíblia como sendo o rei Xerxes I, que foi rei da Pérsia entre 485 a.C. e 465 a.C., rei, aliás, que foi relembrado, recentemente, em um filme de grande sucesso ("Os 300 de Esparta").

OBS: Assuero (ou Xerxes I) era filho de Dario I, rei entre 521 a.C. e 486 a.C., que, por sua vez, havia sucedido a Smerdis, que reinara apenas um ano, em 521 a.C. e que sucedera a Cambises II (530-522 a.C.), filho de Ciro. Percebemos, pois, que Mardoqueu vivia sob o reinado do quinto rei persa depois da queda de Babilônia, algo em torno de 54 anos depois da queda de Babilônia.

- A Bíblia relata-nos que Mardoqueu era da tribo de Benjamim, descendente de um certo Quis, que havia sido levado cativo para a Babilônia no tempo de Nabucodonosor na primeira leva de judeus (Et 2.5; 2 Cr36.9,10), o que demonstra que Mardoqueu era de uma linhagem de judeus que, desde cedo, serviram ao governo, primeiramente babilônico, depois, persa. Ele era primo de Hadassa, tendo-se tornado seu pai de criação, visto que Hadassa ficara órfã (Et 2.6).

- Assim surge Hadassa, ou Ester, no texto sagrado: como uma menina judia órfã, sem pai nem mãe, que precisou ser acolhida por seu primo Mardoqueu. "Hadassa" significa, em hebraico, "mirto", "murta", nome de um arbusto, i.e., uma árvore pequena, "…com raízes e casca usada para extração de tanino, madeira de qualidade, folhas ricas em óleo usadas em perfumes, assim como as flores brancas, aromáticas, e as bagas carnosas…" (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). A murta é de origem desconhecida, mas foi associada, desde cedo, à prática de cerimônias e rituais religiosos, além do que as folhas eram comumente usadas para as grinaldas das noivas.

- Apesar de ser apresentada como sendo chamada "Hadassa" em Et 2.7, é a única vez em que Ester é assim denominada, sendo, então, dali por diante chamada de "Ester", nome também hebraico, que significa "estrela" e que dá a entender que a pessoa que tem tal nome é uma "pessoa cativante, charmosa e sensual" (apud http://www.iremar.com.br/index.php?q=Ester&con=conexao&inc1=header&inc2=footer&banner=rodape&site=nomes Acesso em: 06 jun. 2007).

- O texto sagrado não diz o motivo destes dois nomes, mas entendem os estudiosos da Bíblia que o nome de Ester deve ter sido dado a Hadassa pelos funcionários do rei quando a levaram para a casa do rei da Pérsia. Por ser moça bela de parecer e formosa à vista, foi-lhe dado o nome de "Ester", que é, certamente, a versão hebraica do nome persa que se lhe deu e cujo significado era "estrela". Há, mesmo, um comentário bíblico antigo, feito ainda em aramaico (chamado "targum") que diz que o nome dado a Ester era em homenagem à deusa da beleza, "Istar" ou "Aster", cujo significado é, precisamente,o de "estrela".

- Ester vivia na companhia de seu primo e pai de criação, em pleno anonimato, quando é levada pelos funcionários reais, sob o comando de Hegai, o responsável pelas mulheres do rei da Pérsia (Et 2.8,15), para a casa do rei, diante da ordem real para que se levassem à sua presença todas as moças virgens e formosas à vista a fim de que fosse escolhida uma nova rainha, tendo em vista que Vasti, que era a rainha da Pérsia, havia sido destituída por Assuero, já que se negara a comparecer diante dos seus convidados em uma longa festa real, o que foi considerado como verdadeiro crime de lesa-majestade, ou seja, crime cometido contra o soberano e contra a própria organização social (Et 1.16-22).

- De uma hora para outra, a pacata cativa órfã se vê dentro da casa do rei. Em virtude de sua formosura e beleza, Ester logo adquiriu o favor de Hegai, passando a ter o melhor lugar da casa das mulheres (Et 2.9). Embora estivesse naquela posição por causa da sua aparência física, Ester logo revelou não ser apenas bela sob este ponto-de-vista, mas, notamos no texto sagrado, que, além da beleza estética, possuía Ester, também, uma beleza espiritual, uma beleza interior. A Bíblia diz-nos que Ester não havia declarado nem a sua nacionalidade, nem a sua descendência, porque assim lhe havia determinado Mardoqueu, seu pai de criação (Et 2.10).

- Como já vimos, Mardoqueu exercia funções no governo da Pérsia, funções estas relacionadas com o palácio do rei, provavelmente vinculadas à segurança pessoal do rei ou do palácio, fez que sempre o encontramos assentado na porta do rei (Et 2.19,21; 3.2,3; 4.2,6; 5.9,13; 6.10,12). Assim, seria natural que uma menina órfã, que tinha grande admiração pelo seu pai de criação, diante da oportunidade ímpar de se tornar rainha da Pérsia, buscasse desfrutar de alguma "influência" diante desta posição de Mardoqueu. Entretanto, Mardoqueu lhe havia mandado que não dissesse nem a nacionalidade, nem a sua parentela e ela prontamente lhe obedeceu.

- Por este gesto de obediência, que poderia custar até mesmo a sua sorte, que, aparentemente, lhe trazia prejuízo, vemos como Ester era, antes de tudo, uma moça fiel a Deus e a Sua Palavra. O primeiro mandamento com promessa é o de honrar pai e mãe (Ex 20.12; Dt.5.16; Ef 6.1,2), mandamento este cuja observância foi realçada pelo próprio Senhor Jesus (Mt 15.3-6), realce este que é intensificado pelo próprio exemplo de vida que Ele nos deixou (Lc 2.51). Não há como entender pessoas obedientes ao Senhor, se não são capazes de obedecer aos seus próprios pais, apesar do mandamento bíblico neste sentido. Não é por acaso que, nos dias difíceis em que vivemos, uma das principais características desta "geração perversa" (At.2.40) é a de serem "desobedientes a pais e mães" (2 Tm 3.2).

- Ester, porém, era uma pessoa obediente a seu pai, apesar de ser um pai de criação(Et.2.20). Ester demonstrava toda a sua piedade, todo o seu amor a Deus e à Sua Palavra neste gesto simples de obediência, sendo de se ressaltar que, pela narrativa bíblica, nem mesmo o rei soube a sua nacionalidade e a sua parentela a não ser quando Mardoqueu lhe permitiu, ou até, ordenou que houvesse tal revelação. Pareceria sem sentido e sem qualquer propósito esta ordem de Mardoqueu, mas Ester não a questionou e, mesmo rainha, sempre obedeceu a seu pai de criação, que continuou a ser tão somente o "porteiro do rei". Que exemplo de observância dos mandamentos bíblicos, que exemplo de submissão e de respeito ao outro, entendido este outro aqui não somente como Mardoqueu, mas o próprio Deus. Não nos esqueçamos do que diz o Senhor Jesus: "Se me amardes, guardareis os meus mandamentos."(Jo 14.15). Como está o nosso relacionamento com os nossos pais, mesmo os pais sociais, os pais de criação?

- Esta mesma obediência que Ester demonstrou ter com Mardoqueu, também se repetiu com relação a Hegai, em cujas graças havia caído (Et 2.9). Em vez de se favorecer da predileção do funcionário real, Ester preferiu aprender com Hegai e seguir-lhe todas as instruções, esforçando-se por aprender os costumes do palácio, o que não deveria ser fácil para uma moça pacata e que, até há pouco tempo, nem pai nem mãe tinha. Ester procurava agradar a todos, comportar-se exemplarmente e, por isso, alcançava graça aos olhos de todos os que a cercavam (Et 2.15).

- Esta atitude de Ester mostra-nos como, antes de mais nada, tratava-se de uma pessoa que buscava bem relacionar-se com o outro, com o próximo. Vivia Ester num ambiente de acirrada competição, pois todas as moças que ali se encontravam pretendiam ser a nova rainha. Eram concorrentes umas das outras e, dentro de um quadro deste, seria natural que cada uma tentasse o bem para si próprio, tentasse sobressair dentre as demais, inclusive prejudicando e eliminando concorrentes de seus caminhos. O texto bíblico é muito sucinto, mas, pela história, sabemos como eram comuns as armadilhas, as difamações, as "fofocas" num lugar como o harém real, em especial no momento em que Ester o habitou, quando se tratava de escolher a nova rainha. No entanto, Ester não se conduziu egoisticamente, não visou os seus próprios interesses, mas, sem deixar de se esforçar para alcançar o prêmio, que era o de tornar-se rainha, tanto que aprendeu todas as lições que lhe deu Hegai, jamais deixou de fazer o bem a quem estava à sua volta, alcançando graça aos olhos de todos.

- O salvo deve ser uma pessoa da mesma natureza. Assim como o nosso Senhor, que andou fazendo bem (At 10.38), os servos do Senhor devem, também, fazer o bem a todos os homens. "Fazer o bem sem olhar a quem", como diz conhecido dito popular. Assim como nos dias de Ester, vivemos tempos de acirrada concorrência. Apesar do progresso tecnológico, das grandes conquistas da humanidade, as oportunidades são cada vez mais raras e difíceis em o nosso mundo. A concentração de renda é gritante e o número de pessoas que são excluídas das comodidades do progresso aumenta a cada dia e instante.

- Dentro de uma circunstância desta, somos ensinados e levados a ter um comportamento individualista, egocêntrico, voltado para nós mesmos e, quando muito, para as pessoas mais próximas à nossa volta. Este individualismo crescente foi profetizado na Bíblia e tem contaminado a muitos que cristãos se dizem ser. Jesus, mesmo, disse que, nos dias imediatamente anteriores à Sua volta, os homens se trairiam uns aos outros e uns aos outros se aborreceriam (M t24.10). Nem mesmo o sentimento familiar resistiria a este "salve-se quem puder" (Mt 10.21,36; Lc 21.16). Os homens de nosso tempo são "amantes de si mesmos" (2 Tm 3.2) e o curso deste mundo impele-nos a agir do mesmo modo para podermos sobreviver.

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