Idolatria: a proibição de imagens de Javé.
Uma Palavra
Certamente, não existe lugar na América Latina em que não tenham surgido manifestações idólatras. Isto traz incontáveis preocupações e sofrimentos a nosso povo. A maioria dos agentes de pastoral católica não se atreve a enfrentar com seriedade esta questão.
O primeiro mandamento nos leva a uma conclusão bem concreta que diz assim: “Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante destes deuses e não os servirás, porque eu, Javé teu Deus, sou um Deus ciumento” Ex 20.4s. O Deuteronômio repete isto de forma quase idêntica, 5.8s.
[Segundo muitos estudiosos, o que concretamente se proíbe aqui é fazer e venerar imagens de Javé. O texto não se refere a imagens de outros deuses].
A idolatria tem no Antigo Testamento dois sentidos diferentes: um que pode dar-se no culto ao Deus verdadeiro e outro que se refere ao culto aos outros deuses. No primeiro caso, fala-se da idolatria vinculada às imagens cultuais de Javé; este é o caso dos “ídolos javistas”.
Nas poucas ocasiões em que o Antigo Testamento fala sobre ídolos no culto a Javé, percebe-se a importância destes momentos para o povo de Israel. Os principais casos são o do bezerro de ouro do Sinal e o dos bezerros que Jeroboão instalou em Dã e Betel, 1Rs 12.20-30. Talvez se refiram ao mesmo problema os textos de Juízes 8.22-27, o ídolo de Gideão e 17-18 o ídolo de Mica. Analisaremos brevemente os dois primeiros casos.
Entendemos que Êxodo 32 é um ponto de referência constante em toda a Bíblia. O fato se dá em meio a um povo recém-libertado da escravidão, submetido a duras provas e num período de busca da terra que lhe foi prometida. Seu líder, Moisés, já estava alguns dias longe deles, recebendo de Deus as Tábuas da Lei, no Sinai. Então, desorientado e com saudade da segurança passiva da escravidão, pede a Arão que lhe fabrique uma imagem visível v.1. O bezerro de ouro, entendo, não é apresentado como “outro deus”; também não se pretende representar a Javé com esta estátua. Trata-se apenas de construir a sede, o símbolo da presença de Javé em meio deles. Mas, de fato, esta imagem é considerada ídolo. Neste caso a idolatria está no desejo de materializar a Deus. O problema não está em que Deus seja invisível e o ídolo javista seja visível; em que Deus seja espiritual e o ídolo javista, material. De fato, muitas vezes Deus se manifesta através de mediações materiais e visíveis.
O problema está em que os israelitas, querendo fazer para si um bezerro de ouro, pretendem substituir o papel que Moisés desempenhava, e consequentemente, rejeitam também a Javé, Deus de Moisés. Rejeitam a sua ação exigente, libertadora e pretendem que Deus se acomode a seus desejos imediatistas e mesquinhos. Na sua atitude de rejeição, o povo se nega a realizar-se como Povo de Deus e a viver em função de um projeto concreto de libertação e de posse de uma nova terra, na qual se torne possível viver como irmãos. Ao desconfiar de Moisés, estão desconfiando da possibilidade de levar a efeito o projeto libertador de Deus. Dá-se ao mesmo tempo uma crise política e uma crise de fé.
O povo quer voltar atrás e quer forçar a Deus a ir à sua frente, não para a Terra Prometida, mas de volta para a terra do Egito. Não querem um Deus que os tire da escravidão, mas um deus que viva com eles na escravidão. Querem um Deus que seja “consolo na opressão” e não um Deus que “liberte da opressão”. Nesta rejeição do projeto autêntico de libertação, desejam construir uma falsa libertação, apoiada no culto alienante a Deus. Dá-se certamente um pecado contra a fé no poder de Deus.
O Deus revelado na Bíblia está sempre muito acima da debilidade e da fragilidade humana; é sempre o Deus que não aceita o medo e a alienação do povo. O Deus que promete a libertação é capaz de realizá-la. Duvidar disto é negá-lo: negar a Deus é idolatria. Rejeitar o projeto de Deus, tê-lo por inviável é um ato de idolatria que não se refere aos falsos deuses, mas ao próprio culto ao Deus verdadeiro.
Deus é transcendente, não só porque é invisível ou espiritual, mas também porque atua para além de toda a possibilidade humana. O Deus transcendente é sempre o Deus da esperança contra toda esperança. O bezerro de ouro, pelo contrário, simboliza o pecado da desconfiança de que não era viável o que Deus prometera e a conseqüente rejeição deste projeto. O bezerro de ouro é o símbolo do deus manipulado, feito de homens sem esperança.
Por fim, o problema de fundo levantado neste capítulo é o de “ver’ ou “crer”, acomodar-se ou arriscar-se; desfrutar de uma religião na qual tudo está preestabelecido ou viver à luz irregular de um Deus maravilhoso que pede criatividade; fabricar para si um deus do qual se possa fazer o que quiser ou pôr-se à disposição do Deus da libertação, que exige sempre mais e mais...
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