Novo código de ética demonstra que o papel da medicina vai além do curar
CRISTIANE SEGATTO Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
Na próxima terça-feira (13) (hoje) entra em vigor no Brasil o novo código de ética médica. Talvez a mudança mais importante seja a que diz respeito ao relacionamento entre os médicos e os pacientes terminais. Os profissionais continuam proibidos de abreviar a vida do doente, ainda que esse seja o desejo do paciente ou de seu representante legal. Ou seja: a eutanásia permanece fora de questão. A partir de agora, porém, os médicos devem "oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas". Isso significa que eles estão autorizados, do ponto de vista ético, a praticar a ortotanásia. Ela é definida como a morte natural, sem interferência da ciência, sem uso de métodos extraordinários de suporte à vida (como medicamentos e aparelhos) em pacientes irrecuperáveis. A diferença entre a eutanásia e a ortotanásia parece sutil, mas não é. Na eutanásia, o médico empreende uma ação (aplica uma injeção letal ou desliga o respirador, por exemplo). Na ortotanásia, ele não empreende uma ação. Ele deixa de agir. Em vez de insistir em medidas que aumentam o sofrimento do doente sem lhe trazer qualquer benefício, o médico permite que a doença siga seu curso natural. Um exemplo: um paciente com câncer em estado terminal, sem possibilidade de cura, com metástases no cérebro e no pulmão sofre uma parada cardiorrespiratória. A atitude mais comum entre os médicos é reanimá-lo, entubá-lo e colocá-lo na UTI. Quem pratica a ortotanásia poupa o doente disso. Tem consciência de suas limitações. E de seu lugar. O novo código não encerra a enorme discussão em torno do fim da vida. "Ele é um avanço porque respalda a atitude do médico do ponto de vista ético, mas não tem força de lei", diz o geriatra Franklin Santana Santos, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. "O profissional que pratica a ortotanásia pode ser acusado de omissão de socorro ou de eutanásia e ir para a cadeia." Isso só vai mudar quando a ortotanásia for autorizada pela legislação brasileira. Um projeto de lei está em tramitação no Congresso. Talvez ele só seja aprovado quando os cidadãos estiverem mais educados a respeito de suas implicações. Para isso, a sociedade precisa perder o medo de falar sobre a morte. "Não adianta tentarmos discutir cuidados paliativos enquanto as pessoas fugirem do assunto morte", diz Santos. "Desde crianças, ainda na educação infantil, deveríamos aprender a pensar sobre a morte da forma como ela é. Ou seja: como parte da vida." Quando lhe dizem que trabalha com um tema pesado, Santos discorda. "Não vejo nada de melancólico". Com apenas 41 anos, o baiano risonho de Vitória da Conquista acumula uma experiência que lhe permite dizer isso com convicção. Passou quinze anos tralhando em UTI's. Fez pós-doutorado no Instituto Karolinska, na Suécia, e formação complementar em Saúde e Espiritualidade na Duke University, nos Estados Unidos. Atualmente orienta pesquisas sobre cuidados paliativos na Faculdade de Medicina da USP. Lançou recentemente o livro Cuidados Paliativos: Discutindo a Vida, a Morte e o Morrer (Editora Atheneu). A obra organizada por ele traz artigos valiosos de 38 colaboradores de várias áreas. Psicólogos, psiquiatras, enfermeiros, médicos, advogados, teólogos, assistentes sociais expressam suas visões sobre o assunto. Tive uma conversa com Franklin nesta semana. Por incrível que possa parecer, saí dela mais leve.
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI132340-15230,00-O+LUGAR+DO+MEDICO+E+O+LUGAR+DE+DEUS.html
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