Questão Ecológica,
aquecimento global, desenvolvimento e sustentabilidade
"Até quando vocês vão
desprezar a natureza, pela ambição de acumular e consumir (e se consumir), e
assim, apodrecer o Planeta Terra irresponsavelmente?"
(Atualização de Ex 16.28)
Continuação
3 - Sustentabilidade, novo paradigma civilizacional.
Para se obter sustentabilidade requer-se, de um lado, a diminuição do
consumo, sobretudo do excessivo e do supérfluo, e, de outro, a redução das
gritantes desigualdades que podem ser sintetizadas em dados como o do consumo
de carne. Atualmente, 45% da produção de carne e peixe, principais fontes de
proteína animal, são consumidos por 20% da população do planeta, enquanto
somente 5% do que se produz deste gênero de alimento é destinado aos 20% mais
pobres.
A proposta denominada "pegada ecológica" é uma ferramenta
interessante para se constatar, de modo mensurável, as disparidades, pois
identifica os excessos de pegada ou consumo. Por exemplo,
"os EUA, que
não têm uma qualidade de vida muito superior à da Itália, segundo se pode
afirmar, usam duas vezes e meia mais pegada do que os italianos" .
Mahatma Gandhi disse:
"o mundo tem recursos suficientes para atender
às necessidades de todos, mas não a ambição de todos" . Logo, a
ambição e o lucro desenfreados devem ser considerados crimes e punidos. Para
além da função social da propriedade, no campo e na cidade, é preciso se criar
marco legal que exija também responsabilidade ecológica. Para quem devastar o
meio ambiente, a pena será a expropriação da propriedade, ou seja, confisco sem
pagamento.
O progresso de um sistema econômico que agride a vida no e do planeta, e
"já sacrificou muitas vidas, espécies e ecossistemas, tende à catástrofe
planetária e podemos ir ao encontro do destino dos dinossauros" .
O Planeta Terra é Gaia, um grande ser vivo que garante a vida de uma imensa
biodiversidade, mas está sendo despelado - por excesso de desmatamento - e
envenenado pelo excesso de agrotóxicos jogados na terra e nos cursos de água. O
Brasil já é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Por ano já são mais de 1
bilhão de litros de veneno jogado na agricultura brasileira, a do agronegócio.
Em média, são 4 litros de veneno por pessoa por ano. A hora clama por reforma
agrária, com agricultura camponesa segundo os princípios da agroecologia.
4- GÊNESIS 1-11: A luz e a força divina estão em toda a
biodiversidade
2a parte: JULGAR - Por uma
sociedade sustentável, sustentada...
Nenhum texto bíblico mais sugestivo que o do Gênesis 1 a 11 para orientar
nossa convivência sustentável com respeito à biodiversidade, ao Brasil, ao
mundo, à Vida - com biodiversidade, povos, culturas e religiões. Os relatos no
Gn 1 a 11 - lidos de forma atualizada e militante - hão de inspirar-nos para um
lidar saudável com os desafios diante do aquecimento global e outros problemas
atuais, causados, principalmente pelo sistema econômico neoliberal genocida.
De acordo com a ONU, em 2005 aconteceram 360 desastres naturais: 168
inundações, 69 tornados e furacões e 22 secas que afetaram 154 milhões de pessoas.
No final de 2004, um tsunami ceifou a vida de 280 mil pessoas.
Em Gn 1-11 há relatos que não podem ser interpretados como se fosse simples
história das origens do universo e da humanidade. Com uma roupagem simbólica,
eles nos conferem uma responsabilidade decisiva na construção do mundo e da
história, após o longo processo da evolução cósmica. O Deus da vida nos convoca
à missão de parceiros na Aliança da Criação-Salvação. Para Gn 1-11 não há uma
multidão de ídolos que povoaram ou povoam a terra com suas ‘monarquias' dos
poderes cultural-político-econômico-religiosos.
A criação toda se encontra em Deus - grávido do universo - e desde sempre,
do mesmo, ela flui, passando por uma gestação progressiva, em que a gratuidade
do mistério da vida se anuncia a partir de formas minúsculas e na lentidão do
infinito, do eterno. A pessoa humana capta e se arrisca de verbalizar o que é
encoberto por um silêncio impenetrável. Daí, seu recurso a metáforas - Deus
cria falando e recorre a dias - que expressam, simbolicamente, um mistério que
ora amedronta ou encanta, ora suscita nossa admiração ou nos interpela.
Deus, então, cria a partir da palavra, isto é, deixa emanar de seu ser - não
por meio de simples decreto nem por um poder ditatorial - uma rica gama de
seres. É algo como o próprio espírito de Deus ‘pairando' sobre as águas (Gn
1,2b), melhor dizendo, todas as criaturas, toda a realidade, tudo e todos são
permeados, perpassados pelo divino, pelo espírito de vida. O divino não está
acima e nem fora do real, porém está na realidade com todas as suas relações se
encontra abrigada em Deus.
Nesta perspectiva o profano é realidade sagrada, pois emanado de Deus
reflete algo de seu mistério. Se a criação acontece a partir da palavra - sopro
divino - participa, em seu íntimo, do mistério divino e merece de todos, no
respeito, a gratidão. Somos, pois, elevados a administradores do divino a ponto
de -descuidando da criação - anularmos algo da essência divina e cometermos uma
lesa-divindade. Conseqüentemente, maltratando da criação, prejudicamos a nós
mesmos.
"Houve uma tarde e uma manhã!" (Gn 1,5.8.13.19.23.31). Eis o
refrão a revelar que para o povo da Bíblia a vida caminha das trevas da noite
para a luz da aurora. "Faz escuro, mas cantamos", diria o/a autor/a
de Gn 1-11. Com mãos à obra, havemos de construir a esperança. Na criação de
relações e instituições libertadoras, como sugere Gn 1, exclamamos: "Que
Beleza! Tudo é muito bom! A vida, a mãe terra, a irmã água, toda a
biodiversidade, tudo é destinado e chamado a ser fruto e berço de relações
humanitárias a serviço da vida!"
O ser humano reconhece em si, e em todos os seres, algo da imagem e
semelhança de Deus (Gn 1,26). Sim, não só o ser humano. Toda a complexidade da
vida - terra, água, seres vivos, cerrado, Amazônia, ar, sol, lua, estrelas, etc
- reflete o divino, irradia a luz e a força de Deus. Longe de nós o
antropocentrismo, com sua arrogância excludente, que tanto mal tem feito à
humanidade. Finalmente, graças a também a tantas crises, percebemo-nos fazendo
parte, pertencendo uns aos outros. Irmãos insetos e passarinhos, por exemplo -
exímios ecologistas - ajudam a limpar o ambiente, cuidando do equilíbrio da
natureza. O irmão morcego, grande semeador, e o pardal benfeitor cumprem a
missão de semear uma variedade infinita de espécies por onde vão passando.
"Cuidem da terra!" (Gn 1.28). Não queiramos trair esta sua missão,
simplesmente explorando e submetendo todos. Reinemos compartilhando
responsabilidades e crescendo em todos os sentidos, não só na dimensão econômica.
Cresçamos espiritualmente, deixemos de ser analfabetos espirituais, políticos e
ecológicos. Não nos curvemos diante de sua ignorância e cobiça, nem diante de
nenhum tipo de tirania. Exerçamos liderança. Participemos da coordenação da
terra, isto é, do destino dos seres e do equilíbrio da vida. Ao cuidarmos da
terra, nos beneficiamos a nós mesmos.
O mundo do campo parece ser o chão geográfico e econômico do Gn 1-11. A
humanidade é gente tirada da terra (Gn 2,7). Somos tão filhos e filhas da terra
e da água quanto somos filhos e filhas de Deus. É hora de aprofundarmos nossa
ligação íntima com a mãe terra que não pode continuar sendo tratada como
mercadoria, sendo espoliada de seu sangue - as águas e o verde. Rasgar o ventre
da mãe terra, deixá-la coberta de chagas e ferida de morte é genocídio, é
condenar seus próprios filhos/as.
Somos gente colocada em uma horta / roça para cultivá-la qual jardim (Gn 2.8-9).
Nossa missão é cuidar, proteger, pastorear toda a biodiversidade. Conviver de
forma fraterna com todos e tudo. Isso é construir uma sociedade sustentável.
Preservar, desenvolver e aperfeiçoar ao máximo deve ser a meta prioritária.
Construir e produzir ... só se for dentro dos limites da sustentabilidade.
"Sociedade sustentável", eis um grande desafio. Quando continuamos
depredando, impiedosamente, a natureza e conservando relações injustas,
cometemos uma falácia, uma grande mentira. Nada de nos esconder atrás da
ignorância e maldade em discursos e práticas de pequenos e grandes
agro-industriais. Sociedade implica respeito por natureza e pessoas. O sistema
capitalista tem deixado um rastro de destruição. O futuro da humanidade e da
biodiversidade está intrinsecamente ligado à construção de uma sociedade que se
sustenta por uma envolvente, multiforme e responsável ecologia. Ecologia é
cuidar da harmoniosa integração dos seres. Mulheres não podem ser consideradas
inferiores só porque se teriam originado de uma costela de homem. (Gn 2.21).
Leitura fundamentalista não! Homem e mulher são "carne da mesma carne";
emanam do mesmo Deus, sendo sua imagem viva. Eva, a culpada de tudo? A
interpretação pode ser outra. Eva se mostrou rebelde frente à rotina, tão comum
ao macho. Desde então, toda mudança deve algo a uma incômoda e santa rebeldia.
Quem lidera o processo de amadurecimento humano provoca alguma instabilidade,
porém estimula a abandonar o infantilismo.
Só quando expulsos do paraíso do sossego e da acomodação, somos impelidos a
abraçar o processo histórico com suas potencialidades e ambigüidades. Desde o
início, o ser humano passa pela adolescência para chegar à fase adulta, pagando
um preço a fim de viver e conviver em um mundo melhor. Ele conquista
progressiva autonomia, assumindo o que faz parte da vida: dar à luz em dores de
parto e suar por seu sustento. Isto - embora muitos o sintam qual castigo -
conduz o ser humano a assumir a maioridade, fazendo-o caminhar com as próprias
pernas. Os que buscam o novo, às vezes, com rebeldia, andam de mãos dadas com
Deus. "Eis que faço novas todas as coisas". Eles se fazem
co-criadores de Deus.
"Pecado original" ... Tem a ver com uma inerente e original
limitação de não querer assumir a própria condição humana em sua fragilidade.
Requer-se a leveza da humildade em conviver com limitações e falhas, uma vez
que, em nós, há desequilíbrios e virtudes de tantas gerações qual poeira
cósmica a nos humilhar ou dignificar. Aqui, não cabe gloriar-se nem culpar
outros. Somos vasos de barro, lembrou Paulo apóstolo. A realidade nos desafia
para crescer em autonomia sem recair na auto-suficiência da soberba com
prepotência. Longe de nós a dependência que humilha e a arrogância que subjuga.
Tanto no bem como no mal, nada é somente meu. Pagamos um preço, não só à
condição humana como também à herança genética e a mil e uma circunstâncias do
passado e do presente.
Um dos sintomas do pecado original é o instinto excludente de
"propriedade privada", tanto no plano individual como no plano
sócio-político-cultural-econômico-religioso. O filósofo Jean Jacques Rousseau
pondera que o pecado original entrou no mundo quando alguém resolveu cercar um
pedaço de terra e dizer: isto é meu. Os outros, amedrontados pelo poder,
abaixaram a cabeça e aceitaram. Ou seja, a raiz de muitos desvios e injustiças
estaria nessa instituição da "propriedade privada". De propriedade de
bens necessários à vida passou à propriedade dos meios de produção, o que
consagrou a violência no mundo. Daí, é só um passo para Caim matar Abel.
Outro sintoma de pecado original é insinuar que a mulher é ‘sedutora',
eternamente conspirando, para fazer os homens caírem nas garras do mal. Veja a
que pode chegar um preconceito, uma atitude covarde: Mulheres-cobra, de língua
dupla, mentirosas, perversas e maliciosas. Em Gn 3, a "serpente" pode
ser considerada como a lucidez interior ou a informação exterior que
conscientizam Eva, isto é a mulher, a fim de que se disponha a crescer
humanamente. Não seria tanto o caso de uma imoral sedução, mas a partilha dos
bens da cultura. A visão machista não tolera tal atuação feminista. De fato, em
um clima apocalíptico e de patriarcalismo, o livro apócrifo do Eclesiástico
chegou a avaliar Eva como a primeira a pecar (Eco 25,24).
Gênesis 3 não fala de mulheres carregando uma certa essência impura e
pecaminosa, por isso distanciadas da plena presença do divino. Excluir as
mulheres de lugares e instituições, impedi-las de "tocar" no sagrado,
de partilhar do altar, de ritos e liturgias, é trair o sentido da mensagem
bíblica. A biblista Maria Soave nos alerta:
"Foi a serpente
conhecedora da sabedoria que fez a humanidade acordar: "Não acreditem na
força da violência e dos donos das armas! Não acreditem nos tiranos e nos
senhores! Tomem da fruta da árvore, tenham força para gritar não, para
acreditar na mudança, para tirar do trono os reis poderosos e seus deuses onipotentes
e vingativos! Na evolução da história, a humanidade tomou a fruta e comeu.
Nossos olhos se abriram e tivemos a coragem de expulsar reis poderosos,
sacerdotes opressores e deuses violentos. Tivemos a coragem de ser felizes. Eva
- a humanidade com o cheiro de terra - a partir daquele dia, passou a ser
chamada com o nome de serpente: hawwah, Eva, Mãe de todos os viventes."
Caim mata Abel, no passado e no presente. Caim é ferreiro, da cidade.
Detentor da tecnologia de guerra e do poder. Abel é pastor, peregrino
semi-nômade. Assim era e é o povo de Deus. Não nos fixemos apenas em Caim e na
sua violência. Deus se comove com a dor de Abel e interpela Caim: "Onde
está seu irmão Abel?" (Gn 4.9). Deus não fica neutro, opta pela defesa do
agredido. Os enfraquecidos por sistemas de morte - tal como o capitalismo
selvagem - podem inspirar-se no Deus de Abel e no Abel de Deus.
No relato do dilúvio (Gn 6-9) não nos limitemos à inundação destruidora que
reforça em nós a imagem de um Deus justiceiro a punir a humanidade. Olhemos,
prioritariamente, para Noé, homem justo, íntegro e que andava com Deus (Gn 6.9).
Noé, mesmo não sendo profissional, faz uma arca. Em tempos de seca se prepara
para enfrentar as inundações. Preocupa-se em salvar toda sua família: um casal de
todas as espécies vivas. Assim, Noé se torna o pai da ação ecológica e da
defesa intransigente de toda biodiversidade. Assim como Chico Mendes, há
milhares de Noés pelo mundo afora, participando da construção de uma sociedade
sustentável.
Em Gn 11.1-9 olhemos não apenas para a arrogância humana que constrói uma
torre / cidade para destronar Deus. Vejamos, a presença amorosa de Deus que
suscita a diversidade de línguas e culturas, inviabiliza todo e qualquer
‘pensamento único' e, assim, gera a dispersão de planos diabólicos das
hegemonias ameaçadoras. O evangelho de Lucas fez questão de registrar no
Cântico de Maria, a mãe de Jesus:
"Deus derruba os poderosos de seus
tronos e eleva os humildes".
Abraão e Sara (Gn 12). Abraão... Algo novo surge do cansaço, quando tudo é
julgado perdido. Sara... Esperança há, mas de tão vagarosa provoca zombaria sem
desviar-se do caminho. O casal é convocado para o desconhecido, ameaçado pelo
que não deseja. Tem de deixar sua terra e reconhecer, duas vezes, que filho não
lhe pertence. É no aparente abandono que o novo recebe sua nova chance.
Resta-lhe uma risada e um grito de dor a ecoar pelos caminhos do tempo,
conscientizando seu povo, a humanidade. Passos certos têm de ser dados. Nada de
pressa. Falhas não fecham portas.
Abraão..., inspiração dos que crêem..., maltratados no presente, ameaçados
pelo futuro. Com Sara, na velhice, ele gera um filho. E na terra do Faraó, ele
não assume a companheira como sua. Ao mesmo tempo, fiel a si mesmo, até na
perda, se faz defensor da vida contra a morte. Modelo dos que crêem, troca o
incerto pelo certo, mas, fragilizado, recebe a ordem: "Vá,
retire-se". O caminhar faz o caminho.
Ousa viver com uma promessa sem livrar-se de sua pequenez. Deus não precisa
de super-homens. Em Sara e Abraão, somos todos justificados pela fé. O
pensamento iluminado nos preserva contra a ditadura de um poder central - a
partir de dentro de si e de fora. Aqui, não pode haver oposição entre fé e
mundo, entre sagrado e profano, entre fé pessoal e autoridade. Autonomia e
responsabilidade formam a base de uma maturidade espiritual. O impulso dinâmico
da fé está na base da evolução da história e da fé.
Enfim, com o ser humano intimamente ligado à mãe terra, com homem e mulher
em pé de igualdade e dignidade, com a liderança de Eva, com Abel, Noé, Abraão e
Sara, a bênção de Deus envolve todas as criaturas e nos convoca para recriarmos
o mundo em suas relações e instituições. Tudo isso é uma beleza!
Vale a pena
investir nossas energias nesta empreitada para o nosso bem e para o bem das
próximas gerações.
Com Fé no Deus da vida, fé nos pequenos, fé em toda a biodiversidade e fé em
nós mesmos, vamos, com mãos à obra, cantando...
5- E o descanso de Deus?
Este mundo sem o descanso de Deus, de sua presença, corre o risco de
converter-se em fábricas que poluem e de homens e mulheres que atuam em um
mercado de trabalho gerador mais de morte, que de vida propriamente. Não
podemos aceitar a redução de pessoas a meras máquinas funcionadoras de um
sistema de morte. "Obedeço ao sistema. Não posso modificar nada", se
desculpam muitos funcionários que mantém a máquina mortífera funcionando a todo
vapor.
Por que viver para trabalhar? Até os momentos de repouso são, muitas vezes,
usados por indústrias do lazer que mais cansam as pessoas do que as descansam.
Por que mineração, grandes supermercados e grande parte do comércio devem
funcionar dia e noite e aos domingos e feriados também? É sofisma dizer que é
para poder atender quem trabalha durante o dia. Por que não se pode diminuir a
carga horária, deixando assim mais tempo livre para as pessoas resolverem seus
problemas pessoais e tendo inclusive tempo para participar de forças vivas da
sociedade?
Para a reorganização da sociedade israelita na metade do século VII a.C,
numa fase posterior à dominação da Assíria e procura contrapor-se aos valores e
práticas deste povo imperialista da época , inclusive no cuidado para com a
natureza, o livro do Deuteronômio nos dá algumas recomendações:
a) Dt 22.6-7 - nesta passagem, o texto diz explicitamente que se alguém
encontrar no caminho, sobre uma árvore ou na terra, uma ave sobre um ninho, com
ovos ou filhotes, e tendo necessidade destes alimentos, poderá ficar com os
filhotes, mas deverá poupar a ave ("livre deixarás a mãe").
b) Dt 20.19-20 - No Deuteronômio, mesmo em um capítulo em que apresenta
orientações para situações de batalha, não é esquecido o cuidado com a natureza.
Nesse sentido, é interessante a indicação para se poupar as árvores produtivas:
"quando sitiares uma cidade... não destruas as árvores a golpes de
machado; porque poderás comer dos frutos. Não derrubes as árvores. Ou as
árvores do campo seriam porventura homens para fugirem de tua presença por
ocasião do cerco?" (Dt 20.19). Neste sentido, esta preocupação demonstrada
no texto é oportuna para o nosso contexto, dado que ainda se constata o
prosseguimento de uma das formas mais aviltantes de agressão ao meio ambiente,
a devastação de florestas.
c) Dt 23.13-15 - nesta passagem, existe a indicação para se manter a limpeza
do acampamento: "Fora do acampamento terás um lugar onde te possas retirar
para as necessidades. Levarás no equipamento uma pá para fazeres uma fossa...
Antes de voltar, cobrirás os excrementos." (Dt 23.13-14). Aqui aparece a
preocupação para com o saneamento em meio ao acampamento do povo, dado
importante para as condições de vida daquelas pessoas. Em nossos dias o déficit
em saneamento básico é vergonhoso, atinge cerca de 2,5 bilhões de pessoas no
mundo.
6- No deserto, uma lição de consumo responsável
Após amargar uns 500 anos debaixo do imperialismo dos faraós no Egito, os
oprimidos se uniram, se organizaram e fugiram atravessando o Mar Vermelho.
Moisés foi o guia e líder desta caminhada pelo deserto. O povo precisava de
comida e recebeu o maná, "Moisés lhes disse: Isto é o pão que o Senhor vos
dá para comer" (Ex 16. 15b). Entretanto, havia normas para evitar o
desperdício e permitir que todos tivessem o necessário. Cada um só podia
recolher o que de fato precisava, "Eis o que o Senhor vos mandou: recolhei
a quantia que cada um de vós necessita para comer, um jarro de quatro litros
por pessoa" (Ex 16. 16a). O que fosse acumulado a mais apodreceria,
"alguns, porém, desobedeceram a Moisés e guardaram o maná para o dia
seguinte; mas ele bichou e apodreceu" (Ex 16.20).
A terra é repartida de modo a evitar a concentração de bens, e
consequentemente de poder, "Entre estes se repartirá a terra em herança,
de modo proporcional ao número de pessoas" (Nm 26. 53). Logo, é impossível
ser cristão sem lutar pela efetivação de reforma agrária. A concentração da
terra em poucas "mãos/garras" é o que garante o galopar do
agronegócio, algo tremendamente devastador do meio ambiente, concentrador de
riqueza, vulnerabilizador da soberania, pois vai deixando o território sem povo
e quase não gera emprego.
Além de prescrever o descanso individual no sábado, a Bíblia prevê também um
descanso da terra no Ano Sabático, que deveria acontecer de sete em sete anos
(Ex 23.10-11). E a lei do descanso não parava por aí, indicava também um Ano
Jubilar (a cada cinqüenta anos), no qual a terra deveria voltar às famílias que
originalmente as ocuparam, demonstrando assim, que a terra deveria ser usada
segundo o desejo de seu legítimo dono, que é Deus. Diz o Senhor: "As
terras não se venderão a título definitivo, porque a terra é minha, e vós sois
estrangeiros e meus agregados" (Lv 25.23). A intenção aí é cuidar da
justiça social, impedindo a latifundiarização