segunda-feira, 25 de junho de 2012

Vocação em Xeque




Tremi ao ler este texto. Chorei ao terminar.

Vocação em xeque


  
Pastores feridos

Pastores que abandonam o púlpito enfrentam o difícil caminho da auto-aceitação e do recomeço.
  
 
  Marcelo Brasileiro


Desânimo, solidão, insegurança, medo e dúvida. Uma estranha combinação de sensações passou a atormentar José Nilton Lima Fernandes, hoje com 41 anos, a certa altura da vida. Pastor evangélico, ele chegou ao púlpito depois de uma longa vivência religiosa, que se confunde com a de sua trajetória. Criado numa igreja pentecostal, Nilton exerceu a liderança da mocidade já aos 16 anos, e logo sentiria o chamado – expressão que, no jargão evangélico, designa aquele momento em que o indivíduo percebe-se vocacionado por Deus para o ministério da Palavra. Mas foi numa denominação do ramo protestante histórico, a Igreja Presbiteriana Independente (IPI), na cidade de São Paulo, que ele se estabeleceu como pastor. Graduado em Direito, Teologia e Filosofia, tinha tudo para ser um excelente ministro do Evangelho, aliando a erudição ao conhecimento das Sagradas Escrituras. Contudo, ele chegou diante de uma encruzilhada. Passou a duvidar se valeria mesmo a pena ser um pastor evangélico. Afinal, a vida não seria melhor sem o tal “chamado pastoral”?


 
As razões para sua inquietação eram enormes. Ordenado pastor desde 1995, foi justamente na igreja que experimentou seus piores dissabores. Conheceu a intriga, lutou contra conchavos, desgastou-se para desmantelar o que chama de “estrutura de corrupção” dentro de uma das igrejas que pastoreou. Mas, no fim de tudo isso, percebeu que a luta fora inglória. José Nilton se enfraqueceu emocionalmente e viu o casamento ir por água abaixo.  Mesmo vencendo o braço-de-ferro para sanar a administração de sua igreja, perdeu o controle da vida. A mulher não foi capaz de suportar o que o ministério pastoral fez com ele. “Eu entrei num processo de morte. Adoeci e tive que procurar ajuda médica para me restabelecer”, conta. Com o fim do casamento, perdeu também a companhia permanente da filha pequena, uma das maiores dores de sua vida.

Foi preciso parar.  No fim de 2010, José Nilton protocolou uma carta à direção de sua igreja requisitando a “disponibilidade ativa”, uma licença concedida aos pastores da denominação. Passou todo o ano de 2011 longe das funções ministeriais. No período, foi exercer outras funções, como advogado e professor de escola pública e de seminário.  “Acho possível servir a Jesus, independentemente de ser pastor ou não”, raciocina, analisando a vida em perspectiva. “Não acredito mais que um ministério pastoral só possa ser exercido dentro da igreja, que o chamado se aplica apenas dentro do templo. Quebrei essa visão clerical”. Reconstruindo-se das cicatrizes, Nilton casou-se novamente. E, este ano retornou ao púlpito, assumindo o pastoreio de uma igreja na zona leste de São Paulo. Todavia, não descarta outro freio de arrumação. “Acho que a vida útil de um líder é de três anos”, raciocina. “É o período em que ele mantém toda a força e disposição. Depois, é bom que esse processo seja renovado”. É assim que ele pretende caminhar daqui para frente: sem fazer do pastorado o centro ou a razão da sua vida.


Encontrar o equilíbrio no ministério não é tarefa  fácil. Que o digam os ex-pastores ou pastores afastados do púlpito que passam a exercer outras atividades ou profissões depois de um período servindo à igreja. Uma das maiores denominações pentecostais do país, a Igreja do Evangelho Quadrangular (IEQ), com seus 30 mil pastores filiados – entre homens e mulheres –, registra uma deserção de cerca de 70 pastores por mês desde o ano passado. Os números estão nas circulares da própria igreja. Não é gente que abandona a fé em Cristo, naturalmente; em sua maioria, os religiosos que pedem licença ou desligamento das atividades pastorais continuam vivendo sua vida cristã, como fez José Nilton no período em que esteve afastado do púlpito. É que as pressões espirituais e as demandas familiares e pessoais dos pastores, nem sempre supridas, constituem uma carga difícil de suportar ao longo doa anos. Some-se a isso os problemas enfrentados na própria igreja, as cobranças da liderança, a necessidade de administrar a obra sob o ponto de vista financeiro e – não raro – as disputas por poder e se terá uma ideia do conjunto de fatores que podem levar mesmo aquele abençoado homem de Deus a chutar tudo para o alto.


 A própria IPI, onde José Nilton militou, embora muito menor que a Quadrangular – conta com cerca de 500 igrejas no país e 690 pastores registrados –, teria hoje algo em torno de 50 ministros licenciados, número registrado em relatório de 2009. Pode parecer pouco, mas representa quase dez por cento do corpo de pastores ativos. Caso se projete esse percentual à dimensão da já gigantesca Igreja Evangélica brasileira, com seus aproximadamente 40 milhões de fiéis, dá para estimar que a defecção dos púlpitos é mesmo numerosa. De acordo com números da Fundação Getúlio Vargas, o número de pastores evangélicos no país é cinco vezes maior do que a de padres católicos, que em 2006 era de 18,6 mil segundo o levantamento Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais. Porém, devido à informalidade da atividade pastoral no país, é certo que os números sejam bem maiores.


FERIDOS QUE FEREM



 O chamado pastoral sempre foi o mais valorizado no segmento evangélico. Por essa razão, é de se estranhar quando alguém que se diz escolhido por Deus para apascentar suas ovelhas resolva abandonar esse caminho. Nos Estados Unidos, algumas pesquisas tentam explicar os principais motivos que levam os pastores a deixar de lado a tarefa que um dia abraçaram. Uma delas foi realizada pelo ministério LifeWay, que, por telefone, contatou mil pastores que exerciam liderança em suas comunidades eclesiásticas. E o resultado foi que, apesar de se sentirem privilegiados pelo cargo que ocupavam (item expresso por 98% dos entrevistados), mais da metade, ou 55%, afirmaram que se sentiam solitários em seus ministérios e concordavam com a afirmação “acho que é fácil ficar desanimado”. Curiosamente, foram os veteranos, com mais 65 anos, os menos desanimados. Já os dirigentes das megaigrejas foram os que mais reclamaram de problemas. De acordo com o presidente da área de pesquisas da Life Way, Ed Stetzer – que já pastoreou diversas igrejas –, a principal razão para o desânimo pode vir de expectativas irreais. “Líderes influenciados por uma mentalidade consumista cristã ferem todos os envolvidos”, aponta. “Precisamos muito menos de clientes e muito mais de cooperadores”, diz, em seu blog pessoal.



 Outras pesquisas nos EUA vão além. O Instituto Francis Schaeffer, por exemplo, revelou que, no último ano, cerca de 1,5 mil pastores têm abandonado seus ministérios todos os meses por conta de desvios morais, esgotamento espiritual ou algum tipo de desavença na igreja. Numa pesquisa da entidade, 57% dos pastores ouvidos admitiram que deixariam suas igrejas locais, mesmo se fosse para um trabalho secular, caso tivessem oportunidade. E cerca de 70% afirmam sofrer depressão e admitem só ler a Bíblia quando preparam suas pregações. Do lado de cá do Equador, o nível de desistência também é elevado, ainda mais levando-se em conta as grandes expectativas apresentadas no início da caminhada pastoral pelos calouros dos seminários. “No começo do curso, percebemos que uma boa parte dos alunos possui um positivo encantamento pelo ministério. Mais adiante, já demonstram preocupação com alguns dilemas”, observa o diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, o pastor batista Lourenço Stélio Rega. Ele estima que 40% dos alunos que iniciam a faculdade de teologia desistem no meio do caminho. Os que chegam à ordenação, contudo, percebem que a luta será uma constante ao longo da vida ministerial – como, aliás, a própria Bíblia antecipa.

E, se é bom que o ministro seja alguém equilibrado, que viva no Espírito e não na carne, que governa bem a própria casa, seja marido de uma só mulher (ou vice-versa, já que, nos tempos do apóstolo Paulo não se praticava a ordenação feminina) e tantos outros requisitos, forçoso é reconhecer que muita gente fica pelo caminho pelos próprios erros. “O ministério é algo muito sério” lembra Gedimar de Araújo, pastor da Igreja Evangélica Ágape em Santo Antonio (ES) e líder nacional do Ministério de Apoio aos Pastores e Igrejas, o Mapi. “Se um médico, um advogado ou um contador erram, esse erro tem apenas implicação terrena. Mas, quando um ministro do Evangelho erra, isso pode ter implicações eternas.”



Desde que foi criado, há 20 anos, em Belo Horizonte (MG), como um braço do ministério Servindo Pastores e Líderes (Sepal), o Mapi já atendeu milhares de pastores pelo país. Dessa experiência, Gedimar traça quatro principais razões que podem ser cruciais para a desmotivação e o abandono do ministério. “Ativismo exagerado, que não deixa tempo para a família ou o descanso; vida moral vacilante, que abre espaço para a tentação na área sexual; feridas emocionais e conflitos não resolvidos; e desgaste com a liderança, enfrentando líderes autoritários e que não cooperam”, enumera. Para ele, é preciso que tanto os membros das igrejas quanto as lideranças denominacionais tenham um cuidado especial com os pastores. “Muitos sofrem feridas, como também, muitas vezes, chegam para o ministério já machucados. E, infelizmente, pastor ferido acaba ferindo”.

Quanto à responsabilidade do próprio pastor com o zelo ministerial, Gedimar é taxativo: “É melhor declinar do ministério do que fazê-lo de qualquer jeito ou por simples necessidade”. A rede de apoio oferecida pelo Mapi supre uma lacuna fundamental até mesmo entre os pastores – a do pastoreio. “É preciso criar em torno do ministro algumas estruturas protetoras. É muito bom que o líder conte com um grupo de outros pastores onde possa se abrir e compartilhar suas lutas; um mentor que possa ajudá-lo a crescer e acompanhamento para seu casamento e família e, por fim, ter companheiros com quem possa desenvolver amizades e relacionamentos saudáveis e sólidos”, enumera.


EXPECTATIVAS

Juracy Carlos Bahia, pastor e diretor-executivo da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB), sediada no Rio de Janeiro, conhece bem o dilema dos colegas que, a certa altura do ministério, sentem-se questionados não só pelos outros, mas, sobretudo, por si mesmos. Ele lida com isso na prática e sabe que o preço acaba sendo caro demais. “Toda atividade que envolve vocação, como a do professor, a do médico ou a do pastor, é vista com muita expectativa. Quando se abandona esse caminho, é natural um sentimento de inadequação”. Para Bahia, o desencantamento com o ministério pastoral é fruto também do que entende como frustrações no contexto eclesiástico. Há pastores, por exemplo, que julgam não ter todo seu potencial intelectual utilizado pela comunidade. “Às vezes, o ministro acha que a igreja que pastoreia é pequena demais para seus projetos pessoais”, opina. Isso, acredita Bahia, estimula muitos a acumularem diversas funções, além das pastorais. “Eu defendo que os pastores atuem integralmente em seus ministérios. Porém, o que temos visto são pastores-advogados, pastores-professores, enfim, pastores que exercem outras profissões paralelas ao púlpito”, observa.

 


No entender do dirigente da OPBB, esse acúmulo de funções mina a energia e o potencial do obreiro para o serviço de Deus. A associação reúne aproximadamente dez mil pastores batistas e Bahia observa isso no seio da própria entidade: “Creio que metade deles sofra com a fuga das atividades pastorais para as seculares”. Contudo, ele acredita que deixar o ministério não é algo necessariamente negativo. “A pessoa pode ter se sentido vocacionada e, mais adiante na vida, por meio da experiência, das orações e interação com outros pastores, é perfeitamente possível chegar à conclusão que a interpretação que fez sobre seu chamado não foi adequada e sim emotiva”.

Quando, já na meia idade, casado e com dois filhos, ingressou no Seminário Presbiteriano do Norte (SPN), na capital pernambucana, Recife, Francisco das Chagas dos Santos parecia um menino de tanto entusiasmo. Nem mesmo as críticas de parentes para que buscasse uma colocação social que lhe desse mais status e dinheiro o desmotivou. “A igreja, para mim, é a melhor das oportunidades de buscar e conhecer meu Criador para que, pela graça, eu continue com firmeza a abrir espaço em meu coração para que ele cumpra sua vontade em mim, inclusive no ministério pastoral”, anotou em sua redação para o ingresso no SPN, em 1998. Ele formou-se no curso, foi ordenado pastor em 2003 e dirigiu igrejas nas cidades de Garanhuns e Saloá.

Hoje, aos 54 anos, Francisco trabalha como servidor público no Instituto Agronômico de Pernambuco. Ainda não curou todas as feridas e ressentimentos desde que, em 2010, entregou seu pedido de desligamento da denominação. Ele lamenta o tratamento recebido pelos seus superiores enquanto foi pastor. “Minha opinião sobre igreja não mudou. Nunca planejei um dia pedir licença ou despojamento do ministério. Mas entendo que somos o Corpo de Cristo, e, se uma unha dói, todos nós estamos doentes”, pondera. “Não é possível ser pastor sem pensar em restaurar vidas – e existem muitas vidas precisando de conserto, inclusive entre nós, pastores”.

A vida longe dos púlpitos ainda não foi totalmente sublimada e Francisco sabe bem que será constantemente indagado sobre sua decisão de deixar o ministério. “A impressão é que você deixou um desfalque, que adulterou ou algo parecido”, observa. Ele não considera voltar a pastorear pela denominação na qual se formou, porém não consegue deixar de imaginar-se como pastor. “Uma vez pastor, pastor para sempre”, recita, “muito embora as pessoas, em geral, acreditem que seja necessário um púlpito.”


Rebanho às avessas 

A maioria dos pastores que se afastam de suas atividades ministeriais não abandona a fé em Cristo. Cada um deles, a seu modo, mantém sua vida espiritual e o relacionamento pessoal com Deus. Mas há quem saia do púlpito pela porta dos fundos, renegando as crenças defendidas com ardor durante tantos anos de atividade sacerdotal. Para estes – e, é bom que se diga, trata-se de uma opção nada recomendável –, existe a Freedom from Religion Foundation (“Fundação para o fim da religião”), entidade criada por ninguém menos que o mais famoso apologista do ateísmo da atualidade, o escritor britânico Richard Dawkins, autor do best-seller Deus, um delírio. Ele e um grupo de céticos lançaram o Projeto Clero, iniciativa que visa a apoiar ex-clérigos – pastores, padres, rabinos – no reinício da vida longe das funções religiosas. “Sacerdotes que perdem sua fé sofrem uma penalização dupla. Eles perdem seu emprego e, ao mesmo tempo, sua família e a vida que sempre tiveram”, argumenta Dawkins, no site do projeto. Não se tem notícia confiável de quantos ex-líderes aderiram ao Projeto Clero, mas parece óbvio que a ideia do refúgio ateu não é apenas abraçar sacerdotes cansados da vida religiosa, mas também engrossar o rebanho crescente daqueles que repudiam a possibilidade da existência de Deus.


Mudança difícil 

Não foi uma escolha fácil. Quando o ex-pastor batista Osmar Guerra decidiu que seu lugar não era mais o púlpito, logo foi fustigado por olhares de decepção das pessoas que estavam ao seu redor e acreditavam em seu trabalho espiritual. Afinal, desde menino ele era o “pastorzinho” de sua igreja em Piracicaba, no interior paulista. Desinibido e articulado, o garoto, bem ensinado pelos pais na fé cristã, apresentava uma natural vocação para o pastorado. Por isso, foi natural sua decisão de matricular-se Faculdade Teológica Batista de São Paulo e, após os anos de estudo, assumir a função de pastor de adolescentes da Igreja Batista da Água Branca (IBAB), na capital paulista.

Começava ali uma promissora carreira ministerial. Osmar dividia seu trabalho entre as funções na igreja e as aulas de educação cristã, lecionadas no tradicional Colégio Batista. Tempos depois, o pastor transferiu-se para outra grande e prestigiada congregação, a Igreja Batista do Morumbi. Mas algo estava fora de sintonia, e Osmar sabia disso. Toda sua desenvoltura na oratória, sua capacidade de mobilização e seu espírito de liderança poderiam não ser, necessariamente, características de uma vocação pastoral. E, como dizem os jovens que ele tanto pastoreou, pintou uma dúvida: seu lugar era mesmo diante do rebanho?  “Eu era um excelente animador. Mas me faltava vocação, e fui percebendo isso cada vez mais”.


O novo caminho, ele sabia, não seria compreendido com facilidade pela família, pelos amigos e pelas ovelhas. Mas ele decidiu voltar a estudar, e escolheu a área de rádio e TV. E, mesmo ali, não escapou do apelido de “pastor”, aplicado pela turma. Quando conseguiu um estágio na TV Record, percebeu que ficava totalmente à vontade entre os cenários, as produções e os auditórios. Com seu talento natural, Osmar deslanchou, e o artista acabou suplantando o pastor. Depois de pedir demissão da igreja, em 2005, ele galgou posições na emissora e hoje é o produtor de um dos programas de maior sucesso da casa, O melhor do Brasil, apresentado pelo Rodrigo Faro.

“Durante muito tempo, fiquei em crise”, reconhece hoje, aos 31 anos. “Tive medo de tomar a decisão de deixar de ser pastor. Mas, hoje, sinto-me mais confiante e honesto comigo mesmo e perante os outros”, garante. Longe do púlpito, mas não de Jesus, Osmar Guerra continua participativo na sua igreja, a IBAB, onde toca e canta no louvor. De sua experiência, ele se acha no direito de aconselhar os mais jovens. “Defendo que, antes do seminário, as pessoas busquem formação em outras áreas, ainda mais quando são novas”, diz. Isso, segundo ele, pode abrir novas possibilidades se o indivíduo, por um motivo qualquer, sentir-se desconfortável no púlpito. Contudo, ele não descarta o valor de um chamado genuíno: “Se, mesmo assim, a vontade de se tornar um pastor continuar, isso é sinal de que o caminho pode ser esse mesmo.”




Leia Mais em: http://www.genizahvirtual.com/2012/06/vocacao-em-xeque.html#ixzz1yTZFPYTe 
Under Creative Commons License: Attribution Non-Commercial Share Alike

Ecologia, Aquecimento Global, Desenvolvimento e Sustentabilidade




Questão Ecológica, aquecimento global, desenvolvimento e sustentabilidade
"Até quando vocês vão desprezar a natureza, pela ambição de acumular e consumir (e se consumir), e assim, apodrecer o Planeta Terra irresponsavelmente?"
(Atualização de Ex 16.28) 


Continuação


3 - Sustentabilidade, novo paradigma civilizacional.


Para se obter sustentabilidade requer-se, de um lado, a diminuição do consumo, sobretudo do excessivo e do supérfluo, e, de outro, a redução das gritantes desigualdades que podem ser sintetizadas em dados como o do consumo de carne. Atualmente, 45% da produção de carne e peixe, principais fontes de proteína animal, são consumidos por 20% da população do planeta, enquanto somente 5% do que se produz deste gênero de alimento é destinado aos 20% mais pobres.

A proposta denominada "pegada ecológica" é uma ferramenta interessante para se constatar, de modo mensurável, as disparidades, pois identifica os excessos de pegada ou consumo. Por exemplo, "os EUA, que não têm uma qualidade de vida muito superior à da Itália, segundo se pode afirmar, usam duas vezes e meia mais pegada do que os italianos" . Mahatma Gandhi disse: "o mundo tem recursos suficientes para atender às necessidades de todos, mas não a ambição de todos" . Logo, a ambição e o lucro desenfreados devem ser considerados crimes e punidos. Para além da função social da propriedade, no campo e na cidade, é preciso se criar marco legal que exija também responsabilidade ecológica. Para quem devastar o meio ambiente, a pena será a expropriação da propriedade, ou seja, confisco sem pagamento.

O progresso de um sistema econômico que agride a vida no e do planeta, e "já sacrificou muitas vidas, espécies e ecossistemas, tende à catástrofe planetária e podemos ir ao encontro do destino dos dinossauros" .
O Planeta Terra é Gaia, um grande ser vivo que garante a vida de uma imensa biodiversidade, mas está sendo despelado - por excesso de desmatamento - e envenenado pelo excesso de agrotóxicos jogados na terra e nos cursos de água. O Brasil já é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Por ano já são mais de 1 bilhão de litros de veneno jogado na agricultura brasileira, a do agronegócio. Em média, são 4 litros de veneno por pessoa por ano. A hora clama por reforma agrária, com agricultura camponesa segundo os princípios da agroecologia.

4- GÊNESIS 1-11: A luz e a força divina estão em toda a biodiversidade
2a parte: JULGAR - Por uma sociedade sustentável, sustentada...

Nenhum texto bíblico mais sugestivo que o do Gênesis 1 a 11 para orientar nossa convivência sustentável com respeito à biodiversidade, ao Brasil, ao mundo, à Vida - com biodiversidade, povos, culturas e religiões. Os relatos no Gn 1 a 11 - lidos de forma atualizada e militante - hão de inspirar-nos para um lidar saudável com os desafios diante do aquecimento global e outros problemas atuais, causados, principalmente pelo sistema econômico neoliberal genocida.
De acordo com a ONU, em 2005 aconteceram 360 desastres naturais: 168 inundações, 69 tornados e furacões e 22 secas que afetaram 154 milhões de pessoas. No final de 2004, um tsunami ceifou a vida de 280 mil pessoas.
Em Gn 1-11 há relatos que não podem ser interpretados como se fosse simples história das origens do universo e da humanidade. Com uma roupagem simbólica, eles nos conferem uma responsabilidade decisiva na construção do mundo e da história, após o longo processo da evolução cósmica. O Deus da vida nos convoca à missão de parceiros na Aliança da Criação-Salvação. Para Gn 1-11 não há uma multidão de ídolos que povoaram ou povoam a terra com suas ‘monarquias' dos poderes cultural-político-econômico-religiosos.

A criação toda se encontra em Deus - grávido do universo - e desde sempre, do mesmo, ela flui, passando por uma gestação progressiva, em que a gratuidade do mistério da vida se anuncia a partir de formas minúsculas e na lentidão do infinito, do eterno. A pessoa humana capta e se arrisca de verbalizar o que é encoberto por um silêncio impenetrável. Daí, seu recurso a metáforas - Deus cria falando e recorre a dias - que expressam, simbolicamente, um mistério que ora amedronta ou encanta, ora suscita nossa admiração ou nos interpela.

Deus, então, cria a partir da palavra, isto é, deixa emanar de seu ser - não por meio de simples decreto nem por um poder ditatorial - uma rica gama de seres. É algo como o próprio espírito de Deus ‘pairando' sobre as águas (Gn 1,2b), melhor dizendo, todas as criaturas, toda a realidade, tudo e todos são permeados, perpassados pelo divino, pelo espírito de vida. O divino não está acima e nem fora do real, porém está na realidade com todas as suas relações se encontra abrigada em Deus.

Nesta perspectiva o profano é realidade sagrada, pois emanado de Deus reflete algo de seu mistério. Se a criação acontece a partir da palavra - sopro divino - participa, em seu íntimo, do mistério divino e merece de todos, no respeito, a gratidão. Somos, pois, elevados a administradores do divino a ponto de -descuidando da criação - anularmos algo da essência divina e cometermos uma lesa-divindade. Conseqüentemente, maltratando da criação, prejudicamos a nós mesmos.
"Houve uma tarde e uma manhã!" (Gn 1,5.8.13.19.23.31). Eis o refrão a revelar que para o povo da Bíblia a vida caminha das trevas da noite para a luz da aurora. "Faz escuro, mas cantamos", diria o/a autor/a de Gn 1-11. Com mãos à obra, havemos de construir a esperança. Na criação de relações e instituições libertadoras, como sugere Gn 1, exclamamos: "Que Beleza! Tudo é muito bom! A vida, a mãe terra, a irmã água, toda a biodiversidade, tudo é destinado e chamado a ser fruto e berço de relações humanitárias a serviço da vida!"

O ser humano reconhece em si, e em todos os seres, algo da imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). Sim, não só o ser humano. Toda a complexidade da vida - terra, água, seres vivos, cerrado, Amazônia, ar, sol, lua, estrelas, etc - reflete o divino, irradia a luz e a força de Deus. Longe de nós o antropocentrismo, com sua arrogância excludente, que tanto mal tem feito à humanidade. Finalmente, graças a também a tantas crises, percebemo-nos fazendo parte, pertencendo uns aos outros. Irmãos insetos e passarinhos, por exemplo - exímios ecologistas - ajudam a limpar o ambiente, cuidando do equilíbrio da natureza. O irmão morcego, grande semeador, e o pardal benfeitor cumprem a missão de semear uma variedade infinita de espécies por onde vão passando.

"Cuidem da terra!" (Gn 1.28). Não queiramos trair esta sua missão, simplesmente explorando e submetendo todos. Reinemos compartilhando responsabilidades e crescendo em todos os sentidos, não só na dimensão econômica. Cresçamos espiritualmente, deixemos de ser analfabetos espirituais, políticos e ecológicos. Não nos curvemos diante de sua ignorância e cobiça, nem diante de nenhum tipo de tirania. Exerçamos liderança. Participemos da coordenação da terra, isto é, do destino dos seres e do equilíbrio da vida. Ao cuidarmos da terra, nos beneficiamos a nós mesmos.

O mundo do campo parece ser o chão geográfico e econômico do Gn 1-11. A humanidade é gente tirada da terra (Gn 2,7). Somos tão filhos e filhas da terra e da água quanto somos filhos e filhas de Deus. É hora de aprofundarmos nossa ligação íntima com a mãe terra que não pode continuar sendo tratada como mercadoria, sendo espoliada de seu sangue - as águas e o verde. Rasgar o ventre da mãe terra, deixá-la coberta de chagas e ferida de morte é genocídio, é condenar seus próprios filhos/as.

Somos gente colocada em uma horta / roça para cultivá-la qual jardim (Gn 2.8-9). Nossa missão é cuidar, proteger, pastorear toda a biodiversidade. Conviver de forma fraterna com todos e tudo. Isso é construir uma sociedade sustentável. Preservar, desenvolver e aperfeiçoar ao máximo deve ser a meta prioritária. Construir e produzir ... só se for dentro dos limites da sustentabilidade. "Sociedade sustentável", eis um grande desafio. Quando continuamos depredando, impiedosamente, a natureza e conservando relações injustas, cometemos uma falácia, uma grande mentira. Nada de nos esconder atrás da ignorância e maldade em discursos e práticas de pequenos e grandes agro-industriais. Sociedade implica respeito por natureza e pessoas. O sistema capitalista tem deixado um rastro de destruição. O futuro da humanidade e da biodiversidade está intrinsecamente ligado à construção de uma sociedade que se sustenta por uma envolvente, multiforme e responsável ecologia. Ecologia é cuidar da harmoniosa integração dos seres. Mulheres não podem ser consideradas inferiores só porque se teriam originado de uma costela de homem. (Gn 2.21). Leitura fundamentalista não! Homem e mulher são "carne da mesma carne"; emanam do mesmo Deus, sendo sua imagem viva. Eva, a culpada de tudo? A interpretação pode ser outra. Eva se mostrou rebelde frente à rotina, tão comum ao macho. Desde então, toda mudança deve algo a uma incômoda e santa rebeldia. Quem lidera o processo de amadurecimento humano provoca alguma instabilidade, porém estimula a abandonar o infantilismo.

Só quando expulsos do paraíso do sossego e da acomodação, somos impelidos a abraçar o processo histórico com suas potencialidades e ambigüidades. Desde o início, o ser humano passa pela adolescência para chegar à fase adulta, pagando um preço a fim de viver e conviver em um mundo melhor. Ele conquista progressiva autonomia, assumindo o que faz parte da vida: dar à luz em dores de parto e suar por seu sustento. Isto - embora muitos o sintam qual castigo - conduz o ser humano a assumir a maioridade, fazendo-o caminhar com as próprias pernas. Os que buscam o novo, às vezes, com rebeldia, andam de mãos dadas com Deus. "Eis que faço novas todas as coisas". Eles se fazem co-criadores de Deus.
"Pecado original" ... Tem a ver com uma inerente e original limitação de não querer assumir a própria condição humana em sua fragilidade. Requer-se a leveza da humildade em conviver com limitações e falhas, uma vez que, em nós, há desequilíbrios e virtudes de tantas gerações qual poeira cósmica a nos humilhar ou dignificar. Aqui, não cabe gloriar-se nem culpar outros. Somos vasos de barro, lembrou Paulo apóstolo. A realidade nos desafia para crescer em autonomia sem recair na auto-suficiência da soberba com prepotência. Longe de nós a dependência que humilha e a arrogância que subjuga. Tanto no bem como no mal, nada é somente meu. Pagamos um preço, não só à condição humana como também à herança genética e a mil e uma circunstâncias do passado e do presente.

Um dos sintomas do pecado original é o instinto excludente de "propriedade privada", tanto no plano individual como no plano sócio-político-cultural-econômico-religioso. O filósofo Jean Jacques Rousseau pondera que o pecado original entrou no mundo quando alguém resolveu cercar um pedaço de terra e dizer: isto é meu. Os outros, amedrontados pelo poder, abaixaram a cabeça e aceitaram. Ou seja, a raiz de muitos desvios e injustiças estaria nessa instituição da "propriedade privada". De propriedade de bens necessários à vida passou à propriedade dos meios de produção, o que consagrou a violência no mundo. Daí, é só um passo para Caim matar Abel.
Outro sintoma de pecado original é insinuar que a mulher é ‘sedutora', eternamente conspirando, para fazer os homens caírem nas garras do mal. Veja a que pode chegar um preconceito, uma atitude covarde: Mulheres-cobra, de língua dupla, mentirosas, perversas e maliciosas. Em Gn 3, a "serpente" pode ser considerada como a lucidez interior ou a informação exterior que conscientizam Eva, isto é a mulher, a fim de que se disponha a crescer humanamente. Não seria tanto o caso de uma imoral sedução, mas a partilha dos bens da cultura. A visão machista não tolera tal atuação feminista. De fato, em um clima apocalíptico e de patriarcalismo, o livro apócrifo do Eclesiástico chegou a avaliar Eva como a primeira a pecar (Eco 25,24).

Gênesis 3 não fala de mulheres carregando uma certa essência impura e pecaminosa, por isso distanciadas da plena presença do divino. Excluir as mulheres de lugares e instituições, impedi-las de "tocar" no sagrado, de partilhar do altar, de ritos e liturgias, é trair o sentido da mensagem bíblica. A biblista Maria Soave nos alerta: "Foi a serpente conhecedora da sabedoria que fez a humanidade acordar: "Não acreditem na força da violência e dos donos das armas! Não acreditem nos tiranos e nos senhores! Tomem da fruta da árvore, tenham força para gritar não, para acreditar na mudança, para tirar do trono os reis poderosos e seus deuses onipotentes e vingativos! Na evolução da história, a humanidade tomou a fruta e comeu. Nossos olhos se abriram e tivemos a coragem de expulsar reis poderosos, sacerdotes opressores e deuses violentos. Tivemos a coragem de ser felizes. Eva - a humanidade com o cheiro de terra - a partir daquele dia, passou a ser chamada com o nome de serpente: hawwah, Eva, Mãe de todos os viventes."


Caim mata Abel, no passado e no presente. Caim é ferreiro, da cidade. Detentor da tecnologia de guerra e do poder. Abel é pastor, peregrino semi-nômade. Assim era e é o povo de Deus. Não nos fixemos apenas em Caim e na sua violência. Deus se comove com a dor de Abel e interpela Caim: "Onde está seu irmão Abel?" (Gn 4.9). Deus não fica neutro, opta pela defesa do agredido. Os enfraquecidos por sistemas de morte - tal como o capitalismo selvagem - podem inspirar-se no Deus de Abel e no Abel de Deus.
No relato do dilúvio (Gn 6-9) não nos limitemos à inundação destruidora que reforça em nós a imagem de um Deus justiceiro a punir a humanidade. Olhemos, prioritariamente, para Noé, homem justo, íntegro e que andava com Deus (Gn 6.9). Noé, mesmo não sendo profissional, faz uma arca. Em tempos de seca se prepara para enfrentar as inundações. Preocupa-se em salvar toda sua família: um casal de todas as espécies vivas. Assim, Noé se torna o pai da ação ecológica e da defesa intransigente de toda biodiversidade. Assim como Chico Mendes, há milhares de Noés pelo mundo afora, participando da construção de uma sociedade sustentável.

Em Gn 11.1-9 olhemos não apenas para a arrogância humana que constrói uma torre / cidade para destronar Deus. Vejamos, a presença amorosa de Deus que suscita a diversidade de línguas e culturas, inviabiliza todo e qualquer ‘pensamento único' e, assim, gera a dispersão de planos diabólicos das hegemonias ameaçadoras. O evangelho de Lucas fez questão de registrar no Cântico de Maria, a mãe de Jesus: "Deus derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes".

Abraão e Sara (Gn 12). Abraão... Algo novo surge do cansaço, quando tudo é julgado perdido. Sara... Esperança há, mas de tão vagarosa provoca zombaria sem desviar-se do caminho. O casal é convocado para o desconhecido, ameaçado pelo que não deseja. Tem de deixar sua terra e reconhecer, duas vezes, que filho não lhe pertence. É no aparente abandono que o novo recebe sua nova chance. Resta-lhe uma risada e um grito de dor a ecoar pelos caminhos do tempo, conscientizando seu povo, a humanidade. Passos certos têm de ser dados. Nada de pressa. Falhas não fecham portas.

Abraão..., inspiração dos que crêem..., maltratados no presente, ameaçados pelo futuro. Com Sara, na velhice, ele gera um filho. E na terra do Faraó, ele não assume a companheira como sua. Ao mesmo tempo, fiel a si mesmo, até na perda, se faz defensor da vida contra a morte. Modelo dos que crêem, troca o incerto pelo certo, mas, fragilizado, recebe a ordem: "Vá, retire-se". O caminhar faz o caminho.
Ousa viver com uma promessa sem livrar-se de sua pequenez. Deus não precisa de super-homens. Em Sara e Abraão, somos todos justificados pela fé. O pensamento iluminado nos preserva contra a ditadura de um poder central - a partir de dentro de si e de fora. Aqui, não pode haver oposição entre fé e mundo, entre sagrado e profano, entre fé pessoal e autoridade. Autonomia e responsabilidade formam a base de uma maturidade espiritual. O impulso dinâmico da fé está na base da evolução da história e da fé.
Enfim, com o ser humano intimamente ligado à mãe terra, com homem e mulher em pé de igualdade e dignidade, com a liderança de Eva, com Abel, Noé, Abraão e Sara, a bênção de Deus envolve todas as criaturas e nos convoca para recriarmos o mundo em suas relações e instituições. Tudo isso é uma beleza!

Vale a pena investir nossas energias nesta empreitada para o nosso bem e para o bem das próximas gerações.

Com Fé no Deus da vida, fé nos pequenos, fé em toda a biodiversidade e fé em nós mesmos, vamos, com mãos à obra, cantando...

5- E o descanso de Deus?


Este mundo sem o descanso de Deus, de sua presença, corre o risco de converter-se em fábricas que poluem e de homens e mulheres que atuam em um mercado de trabalho gerador mais de morte, que de vida propriamente. Não podemos aceitar a redução de pessoas a meras máquinas funcionadoras de um sistema de morte. "Obedeço ao sistema. Não posso modificar nada", se desculpam muitos funcionários que mantém a máquina mortífera funcionando a todo vapor.

Por que viver para trabalhar? Até os momentos de repouso são, muitas vezes, usados por indústrias do lazer que mais cansam as pessoas do que as descansam.

Por que mineração, grandes supermercados e grande parte do comércio devem funcionar dia e noite e aos domingos e feriados também? É sofisma dizer que é para poder atender quem trabalha durante o dia. Por que não se pode diminuir a carga horária, deixando assim mais tempo livre para as pessoas resolverem seus problemas pessoais e tendo inclusive tempo para participar de forças vivas da sociedade?

Para a reorganização da sociedade israelita na metade do século VII a.C, numa fase posterior à dominação da Assíria e procura contrapor-se aos valores e práticas deste povo imperialista da época , inclusive no cuidado para com a natureza, o livro do Deuteronômio nos dá algumas recomendações:

a) Dt 22.6-7 - nesta passagem, o texto diz explicitamente que se alguém encontrar no caminho, sobre uma árvore ou na terra, uma ave sobre um ninho, com ovos ou filhotes, e tendo necessidade destes alimentos, poderá ficar com os filhotes, mas deverá poupar a ave ("livre deixarás a mãe").

b) Dt 20.19-20 - No Deuteronômio, mesmo em um capítulo em que apresenta orientações para situações de batalha, não é esquecido o cuidado com a natureza. Nesse sentido, é interessante a indicação para se poupar as árvores produtivas: "quando sitiares uma cidade... não destruas as árvores a golpes de machado; porque poderás comer dos frutos. Não derrubes as árvores. Ou as árvores do campo seriam porventura homens para fugirem de tua presença por ocasião do cerco?" (Dt 20.19). Neste sentido, esta preocupação demonstrada no texto é oportuna para o nosso contexto, dado que ainda se constata o prosseguimento de uma das formas mais aviltantes de agressão ao meio ambiente, a devastação de florestas.

c) Dt 23.13-15 - nesta passagem, existe a indicação para se manter a limpeza do acampamento: "Fora do acampamento terás um lugar onde te possas retirar para as necessidades. Levarás no equipamento uma pá para fazeres uma fossa... Antes de voltar, cobrirás os excrementos." (Dt 23.13-14). Aqui aparece a preocupação para com o saneamento em meio ao acampamento do povo, dado importante para as condições de vida daquelas pessoas. Em nossos dias o déficit em saneamento básico é vergonhoso, atinge cerca de 2,5 bilhões de pessoas no mundo.

6- No deserto, uma lição de consumo responsável


Após amargar uns 500 anos debaixo do imperialismo dos faraós no Egito, os oprimidos se uniram, se organizaram e fugiram atravessando o Mar Vermelho. Moisés foi o guia e líder desta caminhada pelo deserto. O povo precisava de comida e recebeu o maná, "Moisés lhes disse: Isto é o pão que o Senhor vos dá para comer" (Ex 16. 15b). Entretanto, havia normas para evitar o desperdício e permitir que todos tivessem o necessário. Cada um só podia recolher o que de fato precisava, "Eis o que o Senhor vos mandou: recolhei a quantia que cada um de vós necessita para comer, um jarro de quatro litros por pessoa" (Ex 16. 16a). O que fosse acumulado a mais apodreceria, "alguns, porém, desobedeceram a Moisés e guardaram o maná para o dia seguinte; mas ele bichou e apodreceu" (Ex 16.20).

A terra é repartida de modo a evitar a concentração de bens, e consequentemente de poder, "Entre estes se repartirá a terra em herança, de modo proporcional ao número de pessoas" (Nm 26. 53). Logo, é impossível ser cristão sem lutar pela efetivação de reforma agrária. A concentração da terra em poucas "mãos/garras" é o que garante o galopar do agronegócio, algo tremendamente devastador do meio ambiente, concentrador de riqueza, vulnerabilizador da soberania, pois vai deixando o território sem povo e quase não gera emprego.

Além de prescrever o descanso individual no sábado, a Bíblia prevê também um descanso da terra no Ano Sabático, que deveria acontecer de sete em sete anos (Ex 23.10-11). E a lei do descanso não parava por aí, indicava também um Ano Jubilar (a cada cinqüenta anos), no qual a terra deveria voltar às famílias que originalmente as ocuparam, demonstrando assim, que a terra deveria ser usada segundo o desejo de seu legítimo dono, que é Deus. Diz o Senhor: "As terras não se venderão a título definitivo, porque a terra é minha, e vós sois estrangeiros e meus agregados" (Lv 25.23). A intenção aí é cuidar da justiça social, impedindo a latifundiarização

Ecologia, Desenvolvimento Sustentável, Aquecimento Global - Parte I



Questão Ecológica, aquecimento global, desenvolvimento e sustentabilidade
"Até quando vocês vão desprezar a natureza, pela ambição de acumular e consumir (e se consumir), e assim, apodrecer o Planeta Terra irresponsavelmente?"
(Atualização de Ex 16.28)
1 - Introdução
Gênesis 1 a 11, que pode inspirar a construção de uma Sociedade Sustentável, um novo paradigma civilizacional necessário e que deve ser construído com urgência. É difícil, mas possível.
2 - 1a parte - VER - VEJA
"Amor ao próximo e a vida no planeta". "A criação geme em dores de parto (Rm 8.22)" é o lema. Por que e para quê? O Aquecimento (com escurecimento) global e mudanças climáticas já são realidade sentida por todas as pessoas e confirmada cientificamente por um batalhão de mais de 2.800 especialistas do clima, integrantes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas - IPCC - da ONU. As intempéries climáticas estão sistematicamente assolando as populações de forma cada vez mais intensas e em quantidades sempre crescente. A temperatura está mais elevada, temporais por toda a parte, vendavais, longas estiagens em umas regiões e excesso de chuvas em outras.
Segundo a ONU, mais de 50 milhões de pessoas já são consideradas "migrantes do clima". São populações que tiveram que fugir dos seus habitats, porque viver ali tornou impossível pela ausência de água, pelo aumento da temperatura, por desertificação, ou por que suas terras (ilhas e parte de países) já foram inundadas pelo mar.

Segundo cientistas, agora, está se dando o encontro de dois movimentos cósmicos que agravam as mudanças climáticas:

Primeiro, o planeta está apresentando aquecimento devido às grandes quantidades de emissões de gases de efeito estufa - GEEs -, que se intensificaram a partir do momento da industrialização de muitos países, ou como alguns preferem, é resultante de causas antrópicas (= humanas). Ou seja, o modelo econômico, imposto pelo sistema capitalista, absolutiza o crescimento econômico e está, numa progressão geométrica devastando os bens naturais - terra, água e toda a biodiversidade -, que são limitados e não infinitos. Exemplos: Se o povo de todo o mundo tivesse o nível de consumo do povo dos Estados Unidos, seria necessário recursos naturais de três globos terrestres. Se cada chinês tivesse um automóvel, a temperatura da terra aumentaria 2 graus centígrados.

Segundo, a história da evolução do universo indica que de tempos em tempos acontece mudanças climáticas, como a época das glaciações, que resultou na mortandade dos dinossauros, os animais gigantes, dos quais a arqueologia demonstram a existência.

A situação se torna muito mais grave, porque parecer estar entrecruzando esses dois movimentos. Assim, a ação devastadora do modelo capitalista de produção e de uma sociedade consumista está acelerando mudanças cósmicas que poderiam ser mais lentas.

O clima da Terra é resultante da interação dos seres que o habitam. Assim, contribui para as mudanças climáticas que verificamos alterações, tais como: as derrubadas de florestas e do cerrado, modificações nas águas marinhas e na atmosfera, que recebeu uma carga imensa de gases de efeito estufa, entre os quais estão os raios infravermelhos que, após atingir a terra, vindo do sol, são refletidos para o espaço e repicados para a terra, sendo absolvidos pelos gases de efeito estufa, aumentando assim a temperatura. Para entender o que é efeito estufa experimente ficar muito tempo em uma sauna ou dentro de um automóvel debaixo de um sol de 40 graus. O calor absolvido, se não for refletido, acaba aquecendo gradativamente o meio circundado.

A superfície da Terra não é atingida pela totalidade dos raios solares, cujos principais são: os infravermelhos e os ultravioletas. Cerca de 40% destes raios são refletidos para o espaço pelas camadas superiores da atmosfera; outros 43% atingem a superfície, que por sua vez, irradia 10% desta carga de energia solar para fora do planeta, e os 17% restantes são absorvidos pelas suas camadas inferiores. Os raios infravermelhos são absorvidos, sobretudo, pelo dióxido de carbono (CO) e por vapores de água, elementos importantes para a formação do efeito estufa; os ultravioletas são absorvidos pelo ozônio.
O que é emitido pelos processos vitais de alguns seres é absorvido por outros. Por exemplo, o ser humano, ao expirar, emite dióxido de carbono, enquanto as plantas o absorvem; pelo processo da fotossíntese as plantas liberam oxigênio, que mantém vivo o ser humano através da respiração.
Algumas atividades de nossa civilização emitem grande quantidade de dióxido de carbono. É o que ocorre na queima de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo), na derrubada e queimada de florestas e nas alterações do uso do solo. As derrubadas de florestas, além de emitirem carbono na atmosfera, eliminam um fator importante de assimilação deste gás. Ao lado dos Oceanos, as florestas são detentoras de imensa capacidade de trocar o carbono por oxigênio na atmosfera. Em virtude destas atividades emissoras, as medições apontam, a partir de 1750, aumento de dióxido de carbono em torno de 40% na atmosfera, enquanto o metano (CH) apresentou acréscimo de 150%.
Em seu quarto relatório, de 2007, o IPCC afirma que o planeta Terra está aquecendo desde 1750, tendo elevado a temperatura média em 0,74º C até 2006.

Entre 1995 e 2006, o mundo teve 11 dos 12 anos mais quentes já registrados para a temperatura da superfície da Terra. A maior parte do aquecimento se deve as atividades humanas dos últimos 50 anos. Há muitos indicadores que mostram a aceleração do aquecimento. As geleiras das montanhas e as coberturas de neve estão diminuindo. As lâminas de gelo da Groelândia e da Antártida estão derretendo em alguns pontos. O nível do mar continua a subir, e a temperatura média do oceano está aumentando. As secas estão mais longas e mais intensas, e afetam áreas maiores. As chuvas estão mais pesadas e provocam graves enchentes. O relatório de 2007 indica que essas recentes mudanças são maiores do que as ocorridas no clima nos últimos 1.300 anos.

A temperatura da superfície deve aumentar em cerca de 2,4°C até 2050, mesmo se a humanidade mudar seu padrão de produção e consumo imediatamente. Porém, caso mudanças dessa ordem não forem realizadas, o aumento pode alcançar 4ºC.

A população mundial aumentou dez vezes nos últimos três séculos. No século XX, quadruplicou; hoje, ultrapassa os 6,5 bilhões de pessoas, e as estimativas indicam que pode chegar à casa dos 9 bilhões em 2050. Mesmo tendo presente que a proteína animal é desigualmente distribuída, já existe praticamente uma vaca por família e a população de gado, que é responsável por parte da produção do gás metano, saltou para 1,4 bilhão de reses. Quase a metade da população vive, hoje, em cidades ou megacidades. No século XX, a urbanização aumentou dez vezes. A produção industrial cresceu 40 vezes nesse mesmo período e a demanda energética exigiu que o setor crescesse 16 vezes. Por fim, quase 50% da superfície do planeta passaram por transformações em virtude das atividades humanas.

O uso da água passou por um crescimento de nove vezes no período citado e, hoje, desigualmente distribuída, atinge cerca de 800 metros cúbicos per capita ao ano. Essa utilização se dá na seguinte proporção: na irrigação 70%, na indústria 20% e nos domicílios 10%, e a ineficiência na captação e distribuição gera grandes desperdícios. E, se a água é essencial para a vida, é também indispensável na produção agroindustrial, pois segundo a New Scientist (PEARCE, 2006), um quilo de café pronto para o consumo requer, em todas as etapas da produção, cerca de 20 mil litros de água, um hambúrguer de 100 gramas; 11 toneladas de materiais naturais não renováveis para produzir um único microcomputador e 32 quilos de materiais naturais não renováveis; 11.000 litros para um mero jeans.

A concentração de dióxido de carbono na atmosfera passou de 275 para 380ppm, segundo medição de 2006, e, segundo estimativas, a queima de combustíveis fósseis acrescenta anualmente 5 bilhões de
O óxido nitroso (NO) é, hoje, o que mais causa danos à imtoneladas por ano de CO na atmosfera.portante camada de ozônio, superando os clorofluorcabornetos (CFCs) ; pois bem, 2/3 do óxido nitroso provem dos processos de fertilização e em defensivos agrícolas, especialmente nas imensas monoculturas.
O gás metano (CH), inicialmente conhecido como gás dos pântanos, atualmente é proveniente de atividades humanas na razão de 60%. Ele é gerado especialmente através dos cultivos agrícolas e na pecuária - peido do gado libera metano -, mas também os grandes lagos artificiais para hidrelétricas produzem metano. Nos últimos 200 anos, aumentou sua presença na atmosfera de 0,8 para 1,7ppm.
Dada a quantidade de dióxido de carbono na atmosfera, a redução necessária para as emissões seria, segundo o IPCC, da ordem de 50% até 2030; mas é preciso estar atentos a outros gases, como o óxido nitroso, por exemplo, cuja diminuição recomendada gira em torno de 70 a 80% - meta dificultada porque o nitrogênio é amplamente utilizado em processos de fertilização para plantios agrícolas.
As principais fontes de energia renováveis são energia solar, energia eólica , energia hídrica, energia oceânica , energia geotérmica e a proveniente da biomassa.

As previsões de demanda energética apontam para um crescimento anual de 1,5% até 2030, ou seja, 30% em vinte anos. Essas previsões se chocam frontalmente com a recomendação do IPCC para que se diminuam as emissões de CO2 em 50% até 2030 para que a temperatura não cresça 2ºC nas próximas décadas.

É preocupante o direcionamento que as recentes decisões do governo estão conferindo à questão das fontes energéticas em nosso país. Hoje, a região amazônica é palco de grandes projetos hidroelétricos, como as usinas Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, Belo Monte e Tapajós, no Pará, além de muitas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) espalhadas pelo país e os acenos de expansão da matriz energética atômica.
O governo brasileiro praticamente ignora o potencial oferecido pelo nosso imenso território para a implementação e expansão da energia solar e da eólica. E quer incrementar a produção de energia nuclear, o que exigiria a construção de várias usinas nucleares, cujos resíduos permanecem radiativos por muitíssimos anos. Igualmente o programa Pré-Sal exige dispêndio de fortunas para a extração de um produto altamente poluente, cujo processo pode resultar em desastres ambientais incalculáveis, como o ocorrido no golfo do México, no ano passado.

Nas décadas de 1980 e 1990 constatou-se que o desmate médio atingiu 20 mil km²; em 1995, registrou-se um pico de 29.059 km² e, em 2004, outro número assustador: 27.400 km².
Philip M. Fearnside, um dos cientistas mais respeitado em questão de aquecimento global, critica a diretriz governamental de combate ao desmatamento da floresta amazônica, exposta no Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC), afirmando que, embora a repressão ao desmatamento tenha produzido algum efeito, os planos de implantação de infraestrutura, somado à legalização de grandes áreas de terras antes na ilegalidade, apontam necessariamente para o crescimento do desmatamento.
Se somarmos a concessão oficial para o desmate no período entre 2009-2017, chega-se à cifra de 80.112 km² de floresta derrubada, o equivalente a três Bélgicas.
A concessão de 63 milhões de hectares de terra na Amazônia, através da Medida Provisória 422 - assinada por Lula, em 25 de março de 2008, que tornou-se a Lei Nº 11.763 de 1º de agosto de 2008 - legalizou a grilagem de terra e o desmatamento.

A devastação da biodiversidade está crescendo numa progressão geométrica. Embora a produção de alimentos no mundo (com agrotóxicos e tecnologia de ponta) seja suficiente para alimentar toda a população mundial, há mais de 1 bilhão de pessoas passando fome no mundo. Os pobres estão sendo empurrados para as regiões com maiores agressões ambientais, enquanto os ricos, os que mais destroem, estão ficando nas áreas mais preservadas, que serão em breve devastadas também pelo estilo de vida consumista.
No Brasil, por exemplo, mais de 70% dos alimentos são produzidos pela agricultura familiar camponesa, e não pelo agronegócio que, ao contrário, continua asfixiando a os pequenos produtores.
A Assembléia Geral da ONU, em vinte e oito de julho de 2010, aprovou uma resolução afirmando que a água e o saneamento básico são direitos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 13%, ou algo próximo a 900 milhões, vivem sem acesso a água potável, e 39%, ou aproximadamente 2,6 bilhões de pessoas, não dispõem de saneamento básico. Na América Latina, 85 milhões de pessoas não têm água potável e 115 milhões vivem sem saneamento básico. Esta situação é apontada como responsável direta pela morte de 1,5 milhão de crianças com menos de cinco anos de idade, vitimadas por diarréia .
As costas litorâneas abrigam, em nossos dias, quase dois terços da população mundial, e estima-se que, até 2030 chegue a três quartos. Praticamente 40% dos recursos pesqueiros marinhos do Atlântico se encontram superexplorados e outros 30% totalmente explorados. Outro problema é o aumento de poluentes como esgoto, lixos, toxinas carregadas via atmosfera, envenena os oceanos diariamente. Com o aquecimento global os oceanos estão subindo e poderá subir, em média, 59 centímetros até o final do século XXI, o que causará devastação inestimável nas cidades costeiras e no biodiversidade marinha.

Em 1972, aconteceu o primeiro encontro internacional que tratou sobre a relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente, e ficou conhecido como Conferência de Estocolmo. A Conferência foi tensa, polarizada entre "crescimento zero" e "crescimento a qualquer custo" e, para sua superação, foi proposta uma abordagem ecodesenvolvimentista.

Em 16 de setembro de 1987 foi acordado o Protocolo de Montreal. Assinado por 150 países, versou sobre substâncias que empobrecem a camada de ozônio.

A Eco 92, realizada entre 3 e 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, teve como objetivo principal: "buscar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra". "A Conferência do Rio consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável e contribuiu para a mais ampla conscientização de que os danos ao meio ambiente eram majoritariamente de responsabilidade dos países desenvolvidos..."


O Protocolo de Kyoto, de 1997, exige dos países signatários a redução n a emissão de poluentes em 5,2% em relação aos níveis de 1990. O documento precisa ser ratificado por pelo menos 55 países que, juntos, produziam 55% do gás carbônico lançado na atmosfera em 1990" . No entanto, Estados Unidos, Canadá e Austrália não assinaram este Protocolo.

Na Rio 10+, acontecida entre 26 de agosto e 4 de setembro de 2002 na África do Sul, avaliou o progresso feito na questão ambiental durante a década transcorrida desde a Eco-92.
As Igrejas reunidas na Assembléia Mundial, realizada em Seul, na Coréia, de 05 a 12 de março de 1990, afirmaram que "cada vida é sagrada porque a criação é de Deus e a bondade de Deus a permeia completamente. Atualmente, cada forma de vida no mundo ... está em perigo, porque a humanidade não foi capaz de amar a vida da terra; em particular, os ricos e os poderosos a roubaram como se essa tivesse sido criada para fins egoístas. A amplitude da devastação pode ser irreversível e, portanto, nos impele a agir com urgência" (n. 2408).

 Continua...